22 de junho de 2008

Forneirinha



Dizia, aquela mulher era muito homem
e sabíamos de que estava a falar,
de borboletas formosas
que não cabiam no quadro
que os tempos lhe tinham reservado,
de lemes fortes que não sabiam
das lágrimas da noite
e das carícias do dia.
Dizia o alfaiate, o filho da forneira,
minha mãe ficou viúva com sete filhos
e já morreram cinco, e havia poucos meses
que parira o sétimo, e o mais velho
tinha doze anos e pouco tempo depois
foi para América num barco, por ver de ganhar
o pão e a batalha
e ela foi à escola nocturna
por lhe escrever cartas àquele filho,
por ler as notícias que enviava o rapaz,
as de saberás por esta, perto do Rio da Prata...
E eu conhecia a força dos adentros,
a da mão queimada na cinza e na solidão,
o ainda eu não passei fome,
a ganância da casa matriarcal,
eu sabia do dia que arrastou ao cunhado
despido e bêbado à porta da rua,
porque batia na irmã.
E sabia do bichinho-da-seda,
sempre a caminhar nas veias,
a fazer casinha e um longo sinal
no peito da forneira,
que podia tirar o mal do gato,
que podia tirar o mal do medo,
que tinha o poder no coração,
Antónia, a criadora de estirpe,
a dona dos meus lábios,
em canções.

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