31 de maio de 2008

Asas

Foram-me dadas asas e pensei voar,
mas eram de pedra e solidão.

Fiquei com desejo de céu a pisar terra,
com olhar de ave, a caminhar.

Espírito de verbo
e, na entranha,
o único direito de sonhar.

30 de maio de 2008

Lumes


Apanhei o lume segredo das míticas fráguas, o lume que não queima.
Admirei aos vidreiros, senhores da pedra filosofal.
Conheci fátuos, espíritos da dança em noites de São João.
Ante a lareira estendi ânsias de vida junto a Heraclito,
e aguardei, da chama ao rescaldo, do borralho à chama;
mas era em Oriente que habitavam as fadas do sono luminar,
as luminosas mouras que adormentavam meninos vermelhos
e fiquei a admirar, longos tempos,
aprendiz ainda da paz.

26 de maio de 2008

Correntes

Irromper com cadência urbana
na cachoeira
ao sul das alcatifas voadoras,
emprestar o ritmo rápido
do rock-and-roll
à estética oriental
de um chá longo
ou sobreviver na ausência
e permitir o próprio ritmo
sob a chuva,
ao pé da estrada do fim do mundo
onde habitas
com a presença ausente
de um sedan a beira-mar,
nave do pneu escuro
apegada à corrente
da geração Nocilla
que nos deu.

24 de maio de 2008

Nascer

Da rocha, do arcano maior sem nome,
do sonho de namorar e sair indemne,
com armérias verdes na pele
nasce vida.
Sempre ficam a esperança e mais Paris.

23 de maio de 2008

Brilhos



Sob a chuva declinam os tempos que não foram
e dizem de outros dias, de outras tardes de Maio
nas escadas, na relva, nas aulas, nos sorrisos
de primavera quase, de que rapaz é mais vivo,
olhares, brilhos de água, conversas, meias vozes,
relanço de saudade na fonte dos encantos
e aquele fervor do sangue que volta de vez em quando.

22 de maio de 2008

Zoologias

Seria doado ficar quando outros ficam,
morrer quando outros morrem,
prender-se à rocha viva
e dizer aqui estou eu, e tenho nome;
mas o vento não fica,
e a maré se retorce
entre fibras de lua
com correntes do norte.

Seria doado levar livros do céu,
ser de um feliz rosáceo
no ocaso de uma casa a beira-mar
e tender as galas para a noite,
cada noite em leito certo,
o almoço ás duas, pela velha,
os panos brancos na gaveta
e um jardim de rosas doces
a recender a sal.

Seria doado...
repreender-se no avental,
nas contas saneadas,
a mãe na cozinha,
o pai na sala a ler jornal.
Ficaria bonito para a foto
ser lapa na rocha,
rocha e lapa, com futuro
preciso de vaga no areal.

Mas a escama do peixe,
a cauda das sereias,
a dança dos golfinhos,
o erotismo doce do polvo a navegar,
e tu e eu, palavra sem margem,
brilho de galaxia namorada,
na cama das ondas,
no sofá das algas...
onde mais?
Nem sonhar tem cancelas,
nem tem portas o mar.

20 de maio de 2008

Boa terra

Trabalhar a terra
com incertezas de labrega,
com sentir de torrão
deixar que arado siga
o seu caminho e rompa
a côdea dura,
e aguardar o sol,
a chuva,
o vento leve,
sem saber,
companheira apenas
de uma fé.

19 de maio de 2008

Filha de búzios

Criou-se entre búzios,
minha sereia,
naquela ilha pintada de azul ,
a terra dos abraços longos
onde semeávamos peixinhos
nas ondas breves do tempo
e um relanço de dons
pintava às meninas de olhos lindos,
estirpe de cada cor.

18 de maio de 2008

Caracol

Em espirais calcárias
retomar vida
e caminho para o sol
e a seiva verde,
aguardar a boa chuva
e a bonança dos moluscos.
Lamber o tempo,
remarcá-lo
com sumo de caracol
e deixar a sombra líquida
nas primaveras
cíclicas
do sonho.

17 de maio de 2008

A Terra de Tir nan Og VI

Tanto silêncio, tantas despedidas...
Poderíamos pintar um mapa novo
de lágrimas e bênções,
um mapa de aeroportos íntimos
invadidos por rosas e esperanças...
Aquele primeiro abraço!
Os peixinhos de prata do velho coronel
Aureliano Buendía
sorviam assombrados,
desde a portada do livro,
ternura entrelaçando-se,
a ânsia de amar encarnada
em paixão interminável.
Depois tu cantavas,
quiçá eu sorria de alegria esquecida
e assim nasceu o mundo
numa manhã crescida
com um homem e uma mulher a eternizar-se.
Uniam-se os passos e as mãos
despejando toda uma floresta de urbana solidão
para criar um lar errante antes de que anoitecesse.
A terra anfíbia dos sem-terra
acariciando-se na tarde,
beijando-se nas palavras,
destinando-se em caminhos de mundo
ao reencontro.
Assim foi o primeiro amor,
apaixonado e iniciático,
adolescente e tímido,
formoso como cada um dos futuros amores,
que agora são passado,
que sempre são presente
quotidiano,
em cada amanhecer,
até prender-se
no coração de cada dia
um universo de aves brancas,
um sonho de asas a latejar pele e ventos,
para além dos círculos planetários,
onde cada estrela é um ponto de esperança cósmica,
onde está a nossa casa sem fronteiras
à que sempre regressamos para colectar o amor
e semeá-lo
e alimentar-nos das suas folhas cada noite,
vendo-nos os olhos tão de perto
que o verde e o castanho se confundem,
como acontece na copa destas árvores.

A Terra de Tir nan Og V

(Foto A.L.)
Terra verde e dourada
tecedora de esperas,
sulcada na memória
pelas águas futuras.
Terra de milho novo
em círculos atlânticos,
terra de paz profunda
e de braços abertos.
Terra de lume e broa,
de mazamorra e vento,
terra verde sem fim
no canto e no lamento.

Aquele tempo de vindima nestas rosas


Havia uvas murchas no Verão daquele ano
e não era o tempo preciso do calor
quando deixei de ser amantíssima esposa,
não, não era o ano de Tir nan Og.
Muitas misérias houvera antes,
quando pelo tempo da vindima
estouravam corujas
no descanso eterno das noites sem suor
e murchavam os frutos no sarmento
sem entregar doçura
nem fermentar em vinho bom e generoso.
Era daquela que morreram
e ficaram na vide impolutas,
como os cadáveres dos santos que dão medo,
e não deixavam abrolhar as folhas novas
nem frutificar o tempo e as palavras
até que o vento mudou,
por deixar nascer mais um dia
a rosa.

16 de maio de 2008

Mamã Cármen


As noites que passavas a aguardar,
avó de mundo nos olhares,
não semearam mais quartos de sonhar
para o copo de água iniciático
da filha de sapateiro
que assobiava aos pássaros
muinheiras de rouxinol.

Além tempo, o mar te reclamara
e tu eras menina com espírito de aventura,
mas ficas-te a parir filhas e varões
com aquele bem da chuva
que em ti semeou o velho milho
do labrego que não sabia bailar.

Havia uma tépida linha de luz no horizonte,
mas já era o dia de não ser,
de ir lavar ao rio e levar paradoxos
na caldeira da água para todos beber
e ficar de lua alheia
na casa do pátio longo
com gatos à espera do leite e a sardinha de Janeiro.

Mas aquele labrego
esculpia em ti ternuras que sabiam a mel,
doces razões peganhentas
que criaram desde o buxo a nossa estirpe,
com bigorna e pandeireta no cantar.

Os barrotes

Barrotes de ferro que percorrem o corpo
e a alma decidem neste fluir denso,
eternizam sentidos na fresca intensidade
das mais humildes ervas regadas pelo orvalho.
São o espaço da sombra,
de uma própria inimiga,
resistências activas do assobio da brisa
a quebrar mãos de óxido,
a aprender feridas
e romper os espaços
de fume longo,
e cinzas...

15 de maio de 2008

A Terra de Tir nan Og IV


Deste lado do mundo, no teu oriente,
no fim do planeta que sonharam
povos que temeram a morte,
no mar no que o sol dorme cada noite,
no teu bosque que recomeça,
no teu tempo do sol nascente:
Desde a relatividade mais absoluta,
escrevo-te desta pátria e destas gentes.

A terra em que nasci e forte e boa,
de mulheres que tecem e homens que aventuram,
uma Ítaca formosa e sempiterna
na que algumas Penélopes se negaram a destecer
e na que algum Ulisses ficou sem ir a Troia
- há também Penêlopes que viajaram,
com ou sem Ulisses a Ilião
ou destinos novos que a história
escreveu para além do Egeu triste-
Uma terra deitada junto ao mar,
como disse algum dia Celso Emílio.
As suas sendas são de vida.
Os passos se enraízam e medram em caminhos
que amahecem em bosques verdes,
cantam nos carvalhos,
trepam ao loureiro e às nogueiras
e se achegam ao rio com salgueiros.
Nasce a alva de névoa e de rocio,
de aves escuras e canto claro,
tingindo os tempos de luz ténue e acordando.
Os montes são macios, de veludo,
e acariciam vales férteis e húmidas aldeias,
nas que canta o galo canta na manhã
e nas que tarde chove espera antiga sobre as ervas.
O nosso mar é promessa, pesca grande,
tempestade e morte, ou senda viva
a prolongar a Ultramar antigos cantos
e a tender redes de bitácula
até as estrelas que fiam o infinito.
E há um povo grande de silêncios
e um povo irredento de sorrisos
e um mundo de mundos que abre braços,
braços leves de espera em tempos frios.

A Terra de Tir nan Og III


Para Dona Teresa


Pátria dos rios poderosos,
das montanhas altas e os lagos,
do vento azul, que terno nos conduz
ao princípio do tempo
onde a cor se fez,
onde nasceram borboletas desde o nada.

Pátria de olhos grandes e sorrisos.
Com a chuva no rosto, teço arepas,
envueltos e acaso uma almojábana
entre o milho lançal e a esperança.

Pátria boa do sonho e a alegria,
da paz prometida junto a águas
que Guatavita tornou reino de séculos
à sombra de esperas reiniciadas.


Pátria formosa do amor profundo
que nasce, qual fervença, nas entranhas
e verte o seu beijo entre as penas,
nos braços de sal que nos enlaçam.


Pátria da floresta e do potrero,
pátria do nevado e o deserto,
pátria do oceano e os cerros,
pátria de mulheres,
pátria de homens,
pátria de pequenos
com sorriso de neve
e olhar de sol
sempre até o céu.
Pátria do coração
que se enraíza
e me deixa café entre o cabelo
e me nasce de cana entre as mãos
e na boca me enche com os versos
de arequipe povoados, de paz feitos.

Pátria de Chipaque, o nosso pai
que renasce na calma desta tarde
com as asas douradas de um ocaso...

A Terra de Tir nan Og II


Quero achar as cores de Cuchavita
e, entre as luzes de chuva, escuta-las
plenas de matizes cósmicos
e amar-te
nas sementes de Bachué
até que Chia ascenda
a palidez e vele sombras.

Quero olhar-te no céu de Guatavita
e afundir-me contigo entre as suas águas,
deixa-me ir vestida com as teias
que Nencatacoa teceu de borboletas.

Achegar-me-ei a ti
quando Bochica
entregue a Chibchacun a Terra
e trema tudo.
Da beira do Iguaque
até o Minho saudoso,
estenderá Lir o seu caminho azul
escoltado por Augus e as aves.
Ondulará os caminhos que num tempo
levaram a Bilé e a Ith até Lug o dourado.
Então as serpes de ternura
serão naves
e embarcarei a Ocidente
às terras de Mag Meld.
Alí quero beijar-te
entre as flores
que ornam a Terra Verde,
Tir nan Og.

14 de maio de 2008

Sol


O desejo de sol
nasceu com a alvorada,
de lamber na tua pele
cada pinga de som
e beijar as palavras
que os teus lábios retratam
e guardar os silêncios
no lento coração.

Palavras


Meu amor, de ti tantas palavras
e nenhuma
e tantos sucedidos
e ao longe sentido algum
e verbo quase-azul no sem-sentido.

Pintava no ar arcos da velha e ocasos,
as terras máis longas do infinito
e nasciam quadrados sem quadrado,
círculos semeados em sorrisos,
fractais de vento e terra,
universos de seiva, sem floresta,
florestas de universo sem um rio,
e as palavras...
amigas velhas,
inimigas,
maremoto de flores e silveiras,
em ti, Regheiro, Chicán novo,
num dia de sonho adormecido.

Amar ave de assas longas,
fera de garras fortes,
peixe de múltiplos brilhos,
em gaiola, em cercado, em água pressa,
em insustentáveis substantivos
é ser e ter e não ter nada,
apenas mentiras e vazios
quando todo o tempo se redime
e o sonho fica redimido.

Ai, palavras de livre liberdade,
sonhos de águas prometidos,
ninho de estrela e monte baixo,
meu amor, um astro no caminho.

13 de maio de 2008

Os amores de Gaia

Entre a rocha, a terra afirma
tempos de tarde e destruição,
do renascer,
do ciclo para assentar solo
na vida futura
e algum dom.
Nasce a flor,
o fruto recomeça,
de longe voltaram propósitos velhos:
deixar flor onde a flor se entregue,
deixar ermo onde nasça o ermo.
Os amores de Gaia.
Retomar a alma,
abrir os sonhos,
semear palavras,
semear insectos
para florescer incógnitas no íris,
na linha do húmus,
nos olhares
e nas horas
do vento e o trovão.

12 de maio de 2008

Ilha Lobeira II

Sonhar ilhas...
Mas não há ilhas,
ou sim, ou não, ou talvez,
incertas fomes da própria terra,
dos penedos preexistentes
que a água guardou.
A linha dos ventos favoráveis
chega com a maré
e acordam breves criaturas
no tempo do ser.
Mas não há ilhas...
silêncios...
incógnitas ou sons de mar,
apenas o leme de um desejo
a entrecortar ondas
e a deixar-se levar.

11 de maio de 2008

Ilha Lobeira I (reivindicar)


Havia dias em que os percebes de Manolo eram o sonho da Lobeira Grande.
Voltava com a vida a casa e Marisol na chalana a sorrir.
O sorriso de Marisol ficou no horizonte da Lobeira.
Os percebes foram com as orelhas de mar, as margaridas, as algas, os ouriços, ao reino da morte lenta, da mostra, do foi...
Mas Manolo subiu ao faro e falou, para que voltem os dias grandes da Grande Lobeira

10 de maio de 2008

Os cabelos de Gaia


Entre madeira e água,
corpo de muitos corpos,
linha de muitas linhas,
sal de ternura e água,
entre os cabelos de Gaia.

9 de maio de 2008

De único horizontal

Qual era o sentido da flor,
o sentido diverso das correntes de ar
do espaço inexistente entre nós,
o hipertexto de amor
e os semas rosáceos que dizias
de vida?
Ascendente ou descendente,
o volume digital da seta
que inala o vaivém do poeta
é a única linha de sonhar:
De acima a abaixo, tu
de abaixo a acima, eu
de acima a abaixo, eu,
de abaixo a acima, tu,
e o som que levita.

8 de maio de 2008

Na Arnela

Entre tempo e tempo
passa o mar
e a paz chegou
desde além-luas
aos sinos de Duio.
Lembranças de chuva
e espigueiros
quando o fume da lareira velha
tinha o sono prendido
nas esperanças que não foram.
Voltar ao vale em vozes novas
e lembrar os ilusos dias de Maria
e os percebes que floresciam na Arnela.
Entre tempo e tempo chegaram versos novos,
liberdades e cantos conquistados,
por onde o sonho nada
salvaguardando a roupa
para algum dia vestir galas
e perder uma horta antiga
de relances e faíscas
nas manhãs da eclipse
e nos contos do sol-pôr.
Mas, por que nos tiram os caminhos
e asfaltam, cimentam lembranças
para não ser?

7 de maio de 2008

Escadas

Era o caminho vertical,
as escadas ao incerto,
tanta chuva aguardada,
tanta água de sol,
tanto céu que sentir,
mas um azul intenso,
liberado em terra de astros.
Queria sonhar cometas novos
mas não que os vazios revoltassem
tristes tempos de ocos na esperança.

6 de maio de 2008

Liberdade

Temos a liberdade dos silêncios,
o tempo conjunto das palavras
e perturbamos as noites
com beijos de alvorecer.