29 de fevereiro de 2008

Cantiga de berço que não se pode cantar

Tenho guardada uma cantiga de berço
no oco de um fieito que nasceu à beira de um regato.
É uma cantiga branca, com a geada da noite
ainda pura e com nome de ecos galaicos
musicado, latejando futuros sorrisos.
A cantiga tem búzios de muitas cores,
tantas como o arco-íris e a ternura,
e não deixa chorar às meninas
que, quando a escutam, botam asas
e voam pelo mundo em fantasia,
e sonham com amigas borboletas
e riem com as novas margaridas.
É uma cantiga segreda que eu tenho guardada,
uma cantiga de futuros plenos,
de luas encantadas pelas fadas,
de trasnos e de flores enredadas.

Não se pode cantar... cala-se longo, porque acorda a voz das sereias e os golfinhos, se a escutam,
saltam em ronseis e deixam mares no brilho da estrela que nos guia.
Não se pode cantar... mas um pouquinho... um pouquinho pequeno como a lua pequena do fundo do rio... uma pinga, e outra e a corrente... e o rio e o mar numa cantiga.

É um segredo, baixinho, caladinha,

Siriande
cartani
calaido
canmina
de amor
siri
canmina
larainda
olai
maraisarando
iri
regato
de ternura
menim
soror
búzio de sonhos
lerem
cambar
sarai galiga
sendar
murar lili amina
omlir no mar
sirin
sirina.





Máscaras (Para Lois)


Os rostos da noite
e os rostos do dia.
Os silêncios profundos.
A palavra.
Fecha as portas de Trier
o sorriso mais triste,
a lágrima da alegria,
a máscara do tempo
que nos guia
e oculta um astro de sonhar.
Felino sentido da esperança
na argola prendido,
na chave das almas.
Flor de carícias
no café da manhã,
e no karma descoberto
dalguma existência antiga
o eco da renascença,
a máscara da ria
solidária...
Vejo Vigo, vejo Cangas...

28 de fevereiro de 2008

Fibras

Tecer, Penélope, tecer...
olhar adiante, reclamar a presença,
o dia, a liberdade, a inocência,
os tempos de amar em linhas novas;
tecer linho de tempo e bandeira,
corpo de mulher sobre a aurora,
caminho de presentes e roseiras
com dereito de alfândega no gozo.
Tecer os nomes da esperança
e a verdade na fronte das estrelas.

Destecer, Penélope, destecer,
mas destecer sem vergonha,
porque queiras, porque chegue
em tempo a primavera,
destecer o ódio e as mentiras,
destecer o tempo das esperas,
destecer direitos de pernada,
destecer deveres de doméstica,
destecer amantes de olhos tristes,
destecer propósitos de emenda,
destecer caminhos do teu mapa
que não levam ao centro da floresta.
Destecer e tecer as borboletas
em teias de palavra e vida inteira.

27 de fevereiro de 2008

Soantes



Francisco Soares é a luz das oliveiras e do limoeiro. Entre o Templo de Diana e os menires, Évora acorda na casa do Francisco e se cozinha o odor da poesia. Entre a cruz, e a estrela, e a méia-lua são as cores: do claro-escuro do pátio ao limão amarelo.
A Catedral canta em línguas profanas e o Francisco sonha amores na pedra e na árvore, desde a Angola ao Brasil, tempos de tempos, azul de azuis, memória das memórias... e o preto, e os mapas, e os mundos...
Soantes.
Uma vez povoei a sua morada, vibrei o seu verso, teve a sua imagem... agora descobri Soantes... e soou a sinfonia da memória, luz, matiz, cor, passo, palavra. Brilho soante.

26 de fevereiro de 2008

A Terra de Tir Nan Og I


A minha pátria é tenra e tem duas ribeiras
O oceano é uma nave interminável
que percorre o meu espírito cada tarde.
Uma nave de solidão e vento,
uma nave de esperanças velhas,
que florescem em cada onda
quando tendo jardins sobre das águas
visitando as praias da minha terra.
A minha pátria é uma ilha doce,
com uma cratera atlântica e eterna
que parte o coração em alvoradas
náufragas e ébrias de silêncio.
A terra dos meus pais é a minha pátria,
uma terra que olha a ocidente,
sou filha do sol e da aurora,
como cantou Pondal, um bardo antigo.
Terra de rios leves e infinitos,
de costas recortadas e de musgo,
de vides e carvalhos que, em Outono,
se perdem nas florestas frias.
Terra de chuvas, terra de castanhas,
terra de lenha no lar,


terra com sabor a caldo,
e odor a pasto, com o tacto
da rocha mãe sustentando o tempo.
A minha pátria é tenra e tem duas ribeiras,
porque outra praia guarda e a conheço,
pátria de amores, mátria intensa,
ocidente de luz, onde o sol se derrete
até tornar-se ouro do ouro de remotas eras
quando o verde se talhava em esmeraldas
e as montanhas medravam para o céu.
A terra do Madalena, um rio ocre,
a terra de esplendores e lamentos,.
dos frutos que pintam de mil cores,
da cana e a palma. Terra das flores.
E tenho o coração de viajeira
para percorrer a pátria em cada ocaso,
e regressar ao dia quando é noite
e fazer a noite dia, quando é tempo
de repousar palavras, balança-las
no verde mais profundo desta terra.

Sabor a luas no céu da boca


Sabor a luas no céu da boca,
no tempo, na paz e na palavra,
no éter sensitivo, na esperança
e na pele longa dalgum rio.
Astro reflectido das correntes puras,
água de luz no leito dos olhares,
beijo de terra no fundo das cantigas
que dize o som do líquido desejo
entre pintas de ar e som de jazz,
com a língua do amor na caverna do mundo.

23 de fevereiro de 2008

No olho da luz


O olho da luz tem a palavra
para cantar o som daqueles rios
e dizer de lábios renovados,
e dizer de corpos sensitivos.
Viver entre a erva e os regatos,
no oco mais simples
do sorriso,
na mais tenra esperança,
de uma pétala,
na senda escura do moinho.
Voltar à inocência, à vida simples,
voltar ao oco do caminho,
tremer na luz dalgum luzeiro
e ser de terra e leite
qual menino,
criança da lenta primavera,
sorriso de árvore no estio,
cor das cores ocres no outono,
lume e fogar no inverno frio...
No olho da luz,
uma palavra
para falar de amor
entre o rocio.

18 de fevereiro de 2008

Frio

Frio de alma e corpo,
saudade em fio de navalha,
tecido de solpores
está o tempo
em busca de uma bica cor de terra.


Queria ser sorriso, alvorada,
e ter braços de árvore, sempre ao vento,
queria estar no tempo de esperanças
e ser primavera trás o inverno.
Queria ser a fonte à tua espera,
cantar e que o mundo fosse eterno.
Queria querer amor querido
entre quereres tenros e serenos...
lamento de amor...
em frio lamento.

17 de fevereiro de 2008

A memória


Amiga memória,
achega...
achega até mim os copos longos do passado e do futuro,
para que o passado lembre as sendas da verdade,
para que o futuro tenha património de mundo.

Amiga memória,
sinte...
ainda que a dor se marque e o riso desborde,
ainda que as linhas chorem o tempo das esperas
e a luz marque alegrias passadas.

Amiga memória,
ainda que te refugies no espelho dos instantes,
ainda que tenhas o oco discontínuo,
acompanha o passo ao horizonte,
para que haja vida nos caminhos.

14 de fevereiro de 2008

Vida

Viver. Rir, sofrer.
Ser de vidas várias
e conformar o oco dos sentidos
para poder sentir
longe das terras
e amar
longe dos amados
e continuar caminhos
quando o caminho acaba
e a vida volta noite
as alvas de lenta solidao.

12 de fevereiro de 2008

Noite

Na noite havia estrelas fugazes
e ternuras de luz que atravessavam
o tempo de sonhar.
Era um sentir de inverno,
de céu frio e despejado,
como poucos se viram em tempos.

Chegou um silêncio de auroras,
o alvorecer lento das palavras
e beijaram-se os cândidos amores
com as primeiras luzes do dia.
Eram aves de espera na manhã,
vozes de cântico durmido.

Estava o teu olhar e a palavra
clarividente o dia dos sorrisos.
Na noite o caminho dalgum rio
entre murmúrios de água
traçara o tempo de acordar
como um moinho.

Sabia de ti, do teu regresso.
Do teu sentir de cervo, nestas águas
e da alva nova eu sabia,
canle de amor e de palavra.

O silêncio foi tempo desta noite,
a palavra foi luz desta alvorada,
o pranto foi oco de carícias,
o verso foi terra das distâncias
e ti serás de água e lume
e eu serei de lume e água.

Tempos de sonhos e solidão.

Entrei
e o quarto recendia ainda ao teu perfume,
mas tudo era triste,
na tristeza esperta das alvoradas.

Pensei na noite mais estranha,
mergulhada em tempos de sonhos e solidão.
Nos silêncios tingidos de beijos longos.
A pele adormecera os sorrisos
e dançava a lua numa faca de sons.

Eu chegava dos ecos do futuro
e olhava a tua palavra longa
na paz clarividente dos latejos,
sentindo diminuto cada instante
e dilatando ínfimos espaços
na vibração do tacto leve.

Voltei.
O quarto recendia ainda ao teu perfume,
mas tudo era então triste,
de uma lenta tristeza pressentida
desde as fontes da nova solidão.

11 de fevereiro de 2008

O homem dos mais tenros regatos (para Alberto)


As vozes do silêncio
tinham ecos de espera
e sorrisos
no caminho cálido,
tecem
um tango longo
com sinfonia de fox-trot
e uma cantata
na borboleta solitária
dos estômagos;
na fervença do peito
te diziam
e eram nome as vozes
do silêncio;
o teu nome, era voz
de essência parda,
despida terra
da entranha mais sentida.

Escutei, em silêncio, as tuas vozes,
e dancei na sala de valsar
volteando o ritmo
das noites solitárias
em palavras
com som de violino
e odor estático de amores.

Queria voltar ao teu abraço
e sentir o teu tacto na pele,
ser corda da tua viola
como uma longa noite
de Janeiro.
Eram então velhos os tempos,
curto o dia,
e a lua prometia mais luz
que os cúmulos cinzentos,
então era o passado do presente
e a história mais formosa
construía
presente no passado
sempre ausente
e lento amor
nascia
entre os dedos
e deixava húmida
a essência
e voltava
e remontava
a cadência
e, sem ti,
se vivia
e, contigo, estranhava
os tempos sonhados
de um morimur continum
os tempos gozados
de um diem carpe longo,
a silueta prendida das aves
mais profundas
e o teu canto,
recanto,
de amores
como vidas.

Ulha


A luz das águas estremece a força daqueles horizontes e toma a mão das fervenças entre escadas de rocha.
O sonho volta ao peito, o latejo, o cantar dos sorrisos, os remansos e o medo da cachoeira longa.
É o dia das águas puras, das cantigas, o dia das árvores errantes, dos érvedos silentes, dos loureiros, dos acivros da cor, o dia líquido do abraço, o dia leito de um rio, o dia avante, adiante, seguir, ainda sem caminhos.
Teríamos o tempo dos cânticos fecundos para começar a vida na estética da unidade e ser corrente eterna, rocha pura de água, Ulha dos muitos nomes: na linha rota da pedra ,um silêncio antigo, na água, o fluido de um amor contínuo.

Moléculas: Tono e Manuel


Moléculas de sonho

som de água,

no instante preciso

no que a pedra se transforma

e derrete o ser dos mais fortes corações

no sendeiro unido sem arestas,

no puro sentido das palavras.

É de rocha, tenra e firme rocha,

a senda solidária

gravada no único sentido

da corrente,

sensitiva paz

guardada no canto das aves,

na cachoeira verde

e nas palavras.

A esperança do mundo é uma mao.

7 de fevereiro de 2008

Entre nuvens, prendida na distância
todas as fomes morren lentas
e a palavra perdida se derrete
evapora o seu nome para,leve,
falar de amor.

Amor de nuvem, amor de céu,
amor de rio, amor de terra velha,
tremendo de lágrimas,
saudade
do pranto nao chorado,
da vida nao vivida,
do tempo nao passado
...

Nuvem