27 de agosto de 2009

À janela

À janela nascem os tempos que aguardamos,
do alecrim e da rosa,
de silêncio e palavras,
e deixam a sua vida a dormir entre as sombras,
até chegar a nós como luz em penumbra.
Prometem na janela os tempos dias novos,
nem sei se a meia-luz, nem sei se a meia-sombra,
nem sei se de esplendor ou profunda negrura,
mas assomo os cantares de azul, caminho novo,
e resguardo os cadernos nas memórias profundas.

26 de agosto de 2009

Vender o mar

Queria vender o mar,
apenas a lembrança foi descida
ao tempo de comprar
em que a moeda canta
e achegam as sereias
vida com vida,
tempo ao som:
livre a canção ...

24 de agosto de 2009

Vegetal

Transformo em vegetal a pele, o sonho
de tocar a terra com raíz e alma
e até o solo chego e até o ar me elevo
com humidade nova
... verbo...

23 de agosto de 2009

Semente da terra de perder

Da terra de Ilião partiram naves,
do incêndio último nas horas de folgar,
nascera a cúmbia à beira da estrada
acendidos o sexo e o farol,
vermelha a pomba ainda a guardar,
Hécuba,
a dor da guerra no quartel do sem quartel.
O deus sabia do livro dos feitiços
mas ficara no ventre de um corcel,
no leito de tantas perdedoras,
no leito da noite a recrear desertos
e acreditar amores que têm hora,
quarto, preço e condição.
História de princesa já sem reino,
maldição de ventres de ocasião.

22 de agosto de 2009

Os desbordados da brancura

Para a Iara, meiguinha que sabe calmar os ventos e tornar a terra lar... sempre!

Andamos assim, com os silêncios trocados,
no passeio dos rom sobre a terra,
nos recitais externos dos recintos
ficamos de lento suspirar,
cesto vazio e coração de mundo a respirar.
Nós, os desbordados da brancura.
Nós, os herdeiros do conde do egípcio menor ,
os irmãos da tardinha que não chega,
cor nómada da lua que nunca mais cantou.

Na auto-estrada de Nós até a Ucronia


Para o Alexandre, meu companheiro de viagem, filho também do vento e a palavra, que conhece as auto-estradas a utopias, ucronias e esperanças. Sempre com olhar verde, tom valentia... Depois de voltar...

Na auto-estrada de Nós até Ucronia
não se movia o vento
e o mundo era apenas uma via
sem passo para os meninos
que não tinham carro novo
para logo regressar
no cair da noite com dom de frutos
ao palácio de terra e tecto zinco,
os reis de anel perdido e novela,
Sempre a vida é bela,
as princesas de nome sem raiz,
janela aberta, vertigem nova,
escorrega a um chão no que morrer.
A terra prometida dos que sofrem,
o jardim de quem jardim não tem.

21 de agosto de 2009

Somdamor

A barca do cacique porta brilhos gerados na utopia,
atestados com ouro de lei cerimonial
no umbigo do mundo, em Guatavita,
no labirinto do sol até a Anatólia ao Sul.
É de ritos o nome desta terra
e a pegada dos mares é canção.
Dizem alalás e dança o
na roda das troianas sem-papéis,
no batom dos beijos não nascidos,
na entranha caribe dos keltoi;
brota o berro velho e resplandecem
as armas e mana o suor de PotosÍ,
o alento agre,
bulício de látego, ânsia de ar
até as naves de fúria e sem-perdão .
A procissão dos vistos sem cantares,
estremece a chuva deste som
e fundeia na vaga o sacrifício.
Na oficina do templo há um recibo,
na cova dos cambistas fica a dor.

20 de agosto de 2009

Olho por olho

Digo-te: olho por olho.
e ainda mais,
digo :olha-me que te olharei,
e que as linhas olfactivas furem glândulas,
que os tactos pintem mapas
e o sabor dos silêncios se confunda
na sinfonia brava do interior.
Digo-te: olho por olho
luz por luz e cor por cor,
vento teu que assente vento,
pausa em tempo,
tempo em dom,
alento violeta dos inícios,
miradas desdentadas
digo, amor.

19 de agosto de 2009

Fios

Aninho no carvalho,
no esplendor da seiva nova,
fio seiva em ti,
seda leve que ata puros actos
e memórias incosciêntes
por marcar as costas com as unhas
e sentir os dias casa longa.
Velha aracne, ai, suspeita minha!
Vibração,
berço em folha,
ai, flor de vulvas!
Sombra e alva,
corpos quase
abraçados na hipnose
do ar holístico.
Morte leve nas noite,
mais estios...

18 de agosto de 2009

Tempos de esquecer

Lavar sem água, minha Joana,
peitear com sonhos versos velhos,
ensalmos de luz, tempo de inverno,
longa noite de vida a morrer ermos
e nos olhos tanta espera como alma
e nas terras um silêncio que é palavra
e nas tempas, a palavra que é silêncio.

17 de agosto de 2009

Meigas fora

E se chegaram, era o tempo de chegarem.
Janelas fechadas.
Ninho na cama.
Medo.
Dias de pragas e destruição,
invadidas boas terras pelas silvas,
invadidos os silêncios pela dor.
E a dormir os espíritos,
até o berro: meigas fora!
Cantam asas no grimório,
abro a casa até o amor.

2 de agosto de 2009

Luz de vidro

O tempo fica aluado e sorrio como a luz,
entre cristais.
Nos sonhos volta o mago e o anjo
e na carne volta o Sul.
Sempre as ilhas,
para além e aquém
das cinzas de Ângela e Samaná,
entre pele e alma,
a lembrança e o tempo de acordar.
Sei de ti que moras longe,
sei de mim que estou em férias,
sei de fé que chega aos tempos
de querer
e brinco entao sobre as florestas,
puro signo e profecia,
em Canterbury,
onde um santo deixou sombras
por amar.