30 de setembro de 2008

Mudar de casa

Dizem que os golfinhos chegaram já à Praça Vermelha
e na Mongólia descem as lampreias
aninhadas nos peixes palhaço-,
Em ti desenho átrios e ondas bravas,
maremotorizo-me
na sombra que implicavas,
na explosao nuclear nossa
fico unida a ti em cadeia de neutroes
no efecto ria..
Sou sémese mimética da impureza mítica
e com delícia confesso
os meus purísimos desejos impuros.
Múltiplas, caleidoscópicas,
as peles sao mosaico do devecer,
as coxas cosmogónicas transformam
em líquen cada povo,
fundam pátrias de ti,,
terras do nós, montes de ternura
e selvagens vales sábios
de salgado sabor sobre dos mares.

Assulagaram os desejos da maressia,
os tactos do mundo renascido,
naves de mensagens
navegantes dos segredos longos.

Que fortuna tens, que em mim renasces,
e te fundas na pele dos que foram
e me possues, amor, sem possuirme
como sonho de mátrios matrimónios .
Que fortuna tens ,rio que es rio,
na concavidade ampla do meu sonho,
como abro as concas oceánicas
e te deixo penetrar,
misturar os odores, devorar os sabores.
Traduce-me, ai, como eu te traduzo.
Faz-me em ti também palavra aquática,
ilha aberta aos fluidos novos,
boca de tempo, lama de homem
e diz-me entre os silêncios muitas vezes
meu nome de ti,
de ti meu nome.


29 de setembro de 2008

Quando Bush sonhou ser Newman


Praz-me sentir
no sopor das noites adolescentes,
fechada no olfacto sensual
da erva cortada
e na agonia pública,
ah... como suspiraria Bush
cifrado na ágora
da limusina,
se alguém o tivesse
devorado na mensagem
puramente oral.
Como desce da noite
ao gabinete oval
e procura becárias
e recupera
cada fragmento de odor,
único amor...
E eu que vou pelo mundo,
solidária,
a fazer presentes
sempre que acho
a um homem triste
que me entrega um beijo
e a vizinhança possível
da fauna da noite a copular.

25 de setembro de 2008

Beira rios

Foto: Iara


É tempo de espera e solidão,
Tempo dos sinais.
Lembro peregrinações antigas,
prantos de jeitos simples
pelos pés feridos,
pelos ombros cansados,
pelas rotas perdidas
e os transcursos naufragados
que estavam na carta oculta
desta navegação.
Tempo de chuva horizontal e salgada,
dia de ondas deitadas.
Lamber na areia a praia,
Lamber na pinga a água
Lamber no vento o ar
E orar longo
Pelos tempos sem tempo
do areal.

Do mundo

Foto: Alexandre
Num tempo há sorrisos francos
e a luz penetra cada instante de pele
e a ternura se faz de nós
corpo dos corpos
e comunga o amor com ténues redes
de sonho desbocado,
de alva pressentida sem pecado
e a paz é o dia eterno
no que resplandece o olhar
e cruza o céu
o azul extenso e profundo
e nunca chove na tarde
e só chove na manhã,
bem cedo,
para sentir mais próprio o leito
e a palavra se diz
doce de menta
sem que acabe o sabor...
que nunca acabe
e deixe no paladar a liberdade
do seu cálido frescor
e ilhas possíveis
às que chega o redentor.
Num tempo penetram as nuvens
não sei que tempo,
não sei que nuvens
e a dor se encarna em verbo
e não para de chover
e os olhos são pequenos,
pequeninhos,
mas manam lágrimas
de frio suficientes para escurecer
os rios
com águas imprevistas
e temor.
Lembra, minha menina triste,
nunca choveu
que não escampasse
e trás cada arco-íris há um sol.

23 de setembro de 2008

Terras longas

Foto: Iara

No tempo inicial contaram-nos histórias com final feliz,

contos residentes em castelos nos que a princesa

-sempre linda, sempre tenra- aguardava triste ao seu príncipe azul

e ele chegava, augurava paraísos e batalhas

e, sem lascívia, olhava um tempo de extinção carmim

no que até as mais rápidas perdizes ofereciam gostoso sacrifício

pela existência possível do impossível, do nunca jamais e para sempre,

por sempre, sempre, sempre, sempre jamais.


Acreditamos, medramos com a ideia de ser príncipes, princesas,

rematar no dia prévio e herdar palácios

e nunca perguntamos onde estavam agachados

o castelo e o príncipe da mãe e por que, algumas noites

se escutava um pranto ténue que provinha da câmara real.

22 de setembro de 2008

Assim



As linhas espaciais, as únicas.
O silêncio longo, recta longa.
A palavra curva, alva de sonhos,
círculos concêntricos.
Entre céu e humidade,
a terra selvagem
aguarda
os tempos novos de danças a beira-mar.

20 de setembro de 2008

Dourar mundos

Aguardo como a areia
e vivo enquanto,
...se a luz chegar
reflecterei brilho
e será amor.

19 de setembro de 2008

Pele


Procuro a pele do mundo nesta pele
e a tua pele tornamundo em cada entrega,
o gozo interminável da epiderme,
o beijo retornado na percepção: sinte...
sentir...
partilhar e lamber o silêncio da alma,
entregar a palavra das línguas mudas,
descer pelo ritmo do prazer até os centros,
novamente suar no trabalho de dar,
partilhar a fonte longa e ser...
nos últimos dias do estio...
ter...
brilho de alteridade
na pele e na flor...

18 de setembro de 2008

Longas eras de saudade

As saudades escorrentam-se como o santoandré.
As figas deixam fora o mal de amor...
e foram longas eras as da dor...
não mais, não mais, não mais,
ladainha de fé que renovou
a esperança
ao pé fluido do calor.

17 de setembro de 2008

Quase


Quase havia luz
e quase brilho,
entre o deus de nós,
o deus de Roma,
entre o Dionísio
tenro
de cor e calores...
no Santo André,
foi de vivo
quem de morto
já foi
e novamente achego
a outro existir
o desejo de ser,
de beijar,
de acender.

16 de setembro de 2008


Ainda que seja longe a luz,
ainda que a dor saiba dos desejos,
ainda que na alva
continue o nome
e a memória,
e o amor brilhe
entre as trevas,
ainda...

14 de setembro de 2008

Roupa ao sol

Cada dia sonho a cor do sol,
cada noite medrei , preciso roupa
... e costuro na alvorada cores, brilhos,
renovo o fato e o sorriso
sempre com marca própria
e beijo e abraço, abraço e beijo,
entre um tu e um eu procuro um oco,
danço em mãos de braço,
vivo grande,
amo os desejos de amar forte
de cantar lento...
cozinho os olhares nos afectos ...
deixei de controlar o peso do coração...
e dispo o seu contorno sem complexos...

13 de setembro de 2008

Oxum

Orayê-yê mamãe oxum
lembrar a água
como era doce
e é salgada,
rio de sonhos,
sonho de calma.

12 de setembro de 2008

Esplendor

Apenas o tempo de olhar
entre água e montanha,
sempre o instante luz...

10 de setembro de 2008

αγγελοι

Foto E. T.

Como as memórias nos enganam
e nos deixam atrás,
e reaparecem, nítidas,
as palavras,
que, com Maria, guardei no coração,
naqueles tempos
nos que calava no leito
e escutava,
nos que sabia que chegaria o dia
que dizias
e sabia quanto amor
de loba precisava
para olhar aos olhos
e acalmar o gato, o cão,
o mesmo mocho,
e sabia do amor
e o procurava,
profundo e inédito,
salvaguardado
da falha insólita
que se anunciava
trás os leves sismos doces
dos que gozaram anjos...
O terramoto
que cindiu o céu e os infernos
e partiu a terra
para revelar pontes possíveis
que temias,
abismos de vertigem
que evitava...
enquanto sonhava montanhas,
uma nova cordilheira,
longe,
onde os olhos não podiam ver
nem sentir os corações sem esperança.
Sim, calei naquele tempo,
não te disse quiçá
como queria partilhar
cada gaveta,
como eu também teria desejado
que todo o meu passado, todo
estivesse no tento das tuas mãos
e ter rido então nos campos de Escócia
e ter chorado ante o Tejo
cada palavra estranha.
Sim, falei depois
de paixões turcas,
de nudismos poéticos,
de noites de dança
com tacto a Caribe,
brindes que teve com a vida
sem ter nada,
apenas a pensar-te,
e tomar forças,
não perder o sorriso,
não chorar estas lágrimas
e aguardar longos passos...
queria costruir,
mas não estavas,
não estava.
Não voltei e não voltaste...
é certo,
e também que houve cordas penduradas:
tínhamos mensageiros
que portavam os rostos,
as vozes e as almas...
encontravam-se
em tardes de verão,
à beira do mar,
à luz da fraga,
houve mesmo jogos de estratégia,
mentiras e verdades acalmadas,
houve perda e ganância
e mundos outros,
continentes novos
que aguardavam,
percorremos as ruas
desde o enfrente,
saudamos distância
sem palavras
e nunca deixei de amar
e poderia dizer sim cada alvorada
quando chegara a pergunta
do passado
e soara... sentes-te querida?
sim, em cada poro da pele,
e na calma da tarde
e na impresença longa,
e na dor que habitava...
E quiçá foi que subi ao monte,
quiçá que chega o Outono à fraga,
mas o olhar voltou
ao horizonte
e lembrou o rosto da tua alma,
rachou o vêu
e o retrato,
o espírito e o corpo que ficaram,
... Ai, o primeiro tremor
fora tão grande...
eu não chegara ao monte,
foi na água,
amansada enquanto me falavas
do mago e da papisa
e eu, clarividente, só calava...
Ai as nossas feras bravas...
os lodos que as vagas revoltaram,
os sonhos que acalmaram as feridas,
carícias que brilhavam
como alvas,
palavras com asas de borboleta
... mas não estavam...
As terras, as paisagens, eram outras...
Tirei a última fibra da couraça.
O teu medo a pontes que não queres,
O meu medo a abismos que me matam...
Apenas um novo terramoto...
Circum-navegar ao encontro pelos mapas,
cruzar até o território alheio...
ou morar em vidas afastadas...
Não sei, mas pagou a pena,
comungar-te em paz
nas noites claras.

9 de setembro de 2008

Prospectiva

Achamos o tempo da tarde
na volta do mar,
o tempo aquele
no que dançar com as ondas
era perder o medo à morte,
morrer para viver
e, com ternura,
pensar em futuros amarelos
de oferenda às águas
e penúltimo renascer.

8 de setembro de 2008

Amor de amores


Desde hoje vou querer tanto
que me amarei na medida exacta
na que os próximos sejam
por mim amados.

Finalizou a partida:
ganhar era perder,
partir não esquecer
o melhor que em ti habita.
Convida a um alvarinho,
convida a alva alma,
a jogos de flores
e doçuras melhores...
enquanto, docemente,
eu me amo.

7 de setembro de 2008

Fogo cruzado


Que dificil arte a guerra.

Que arte de sonho a paz...

6 de setembro de 2008

Pegadas

Deixa pegada em mim
tarde de almas,
espaço de sorrisos longos
beira-tu,
e nem quero arrincar,
nem posso,
o meu sonho a beira-mim
no mar.
O beira-nós
é o alento novo
da terra verde,
onde os regatos nascem
desde a entranha
e mantêm a carne,
viva no frescor
do fluido subterrâneo
e a calidez
do leito
que o contem.

4 de setembro de 2008

Agosto

Foto: Ana


Há tempos de livre disposição.

Foi.

Tempo de dispor afectos.

Tempo de dispor tempos.

Tempo de dispor palavras.

Tempo de dispor sol e chuva,

chuva e sol.

Rostos, abraços, mãos,

luas e dança,

pedra, esperança,

som...

Enquanto não queres ter meu tempo

e fica a levedar o amor.

3 de setembro de 2008

Aló irmão (com as vozes de Narf e Manecas)




Foto E.T.

Viajar nas cores,
nas eras, nas geografias,
na pele de Gaia,
na viola e no tambor de água,
entre a erva
ser palavra
e fazer do som ventre único
dos ecos que estão na lágrima,
no vento,
na luz,
no tempo,
em ti
e que sempre sejas som de irmão,
desde a mãe
ie, ie, ie iamamam,
ie,ie,ie iamamam
alegria,
alegria, promete
nunca perder
a alegria
e estender alcatifas voadoras
entre a Pangea longa
porque sejam abraço
e sempre ri
e dá a mão sempre,
para ter no cinerama rostos múltiplos
e cada notícia da chuva a flor de flor
a pele de pele,
a nós de nós.
Resgatar o nós,
partir por repartir,
por compartir
e alongar a maré
até que volte a lua e o céu
partilhemos na erva, na pedra,
na areia, na água,
no murmúrio animal
da noite que nos chega
por ser
alva.


2 de setembro de 2008

Alma


Deixo a alma a intempérie,
o coração a abrochar
e piso terra húmida,
frio de luz.

Deixo a lágrima livre
e os braços a tender
roupa lavada,
em branco e preto,
em tempo e som.

Deixo-me débil,
dispara setas,
fere, mata,
prefiro sempre
a inexistir.

1 de setembro de 2008

Ulha


Inícios entre a alma azul e o começo,
na velha Vedra,
sempre à sombra do Pico sagrado,
sempre à beira do Ulha feliz,
o verso em flor...