21 de agosto de 2009

Somdamor

A barca do cacique porta brilhos gerados na utopia,
atestados com ouro de lei cerimonial
no umbigo do mundo, em Guatavita,
no labirinto do sol até a Anatólia ao Sul.
É de ritos o nome desta terra
e a pegada dos mares é canção.
Dizem alalás e dança o
na roda das troianas sem-papéis,
no batom dos beijos não nascidos,
na entranha caribe dos keltoi;
brota o berro velho e resplandecem
as armas e mana o suor de PotosÍ,
o alento agre,
bulício de látego, ânsia de ar
até as naves de fúria e sem-perdão .
A procissão dos vistos sem cantares,
estremece a chuva deste som
e fundeia na vaga o sacrifício.
Na oficina do templo há um recibo,
na cova dos cambistas fica a dor.

7 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Amiga, preciso da referência da foto que publicaste n'O Bar com o teu poema: é da tua autoria, tem título, ano?

Beijinhos.
P. S. Mais um poema excelente, este.
A propósito dos keltoi: ultimamente tenho contactado com uns Galegos «doidos», que acham que na Escócia e Irlanda há um fundo de sangue galego, quando é bem o contrário: os Iberos foram o primeiro povo a colonizar as Ilhas Britânicas, e não eram Celtas. Os antigos Calaicos da civilização castrense não são, de origem, célticos, mas sim correspondem a uma bolsa dos primeiros Iberos que se conservou nas montanhas. Os Celtas andaram por toda a Península Ibérica, porém a grande zona da sua fixação é no centro sul e sul.

Iolanda Aldrei disse...

Sim, a foto é da minha autoria. O seu título é "O lume velho" e foi tirada no sábado a seguir ao dia de Sao Joao deste ano, na "Eira da Joana" em Ramil (Agolada) num encontro com amigos e magia, a alma da Joana a brincar no lume e criar flores, as vozes, a partilha dos sincrónicos a tirar a força dos elementos.
Dos keltoi é para falar longo, mas há um livro de Higínio Martins intitulado As tribos calaicas, publicado no 2008 pela editorial Polifona que me parece muito importante. Como filólogos achamos na toponimia étimos celtas em toda a geografia calaica. É por isso que recomendo este livro como uma chave importante para este tema muito controvertido entre os historiadores.
Em qualquer caso somos uma simbiose de homos chegados e partidos de e para o mundo, uma mestizagem de histórias, cores, palavras, o dom da interculturalidade.
Beijinhos, meu amigo.

O BAR DO OSSIAN disse...

Eu sempre achei que a foto era da tua autoria, só para confirmar; n' O Bar tentamos evitar problemas com os direitos de autor, e a Internet anda a saque.

Quanto aos celtismos e afins, vê e-mail que te enviei.

A toponímia está lá, e cá, mas também por outras razões que não apenas as da presença céltica: os Celtas conheciam a escrita, enquanto que os povos pré-ibéricos, não, a toponímia originária foi celtizada. E ainda há outra razão, a mais importante: tudo isso chegou até nós por via romana, ainda hoje as divisões administrativas (até ao nível de distrito) na península correspondem, grosso modo, às romanas; estes amigos Romanos «não perdiam tempo»: não só latinizavam a toponímia, como, quando não a percebiam, a celtizavam, helenizavam, etc. Até o famoso topónimo «Cale» eu duvido muito que seja de origem céltica; em gaélico quereria dizer «porto, ancoradouro»... que sentido teria os Romanos virem a chamar-lhe Porto Porto (Portus Calle)? O termo parece-me muito mais ter origem no Grego «kallis»/«belo», ou seja, referència à beleza do rio Douro...

Beijinhos.
Lord of Erewhon

O BAR DO OSSIAN disse...

NOTA: É evidente que os Celtas não foram, até à romanização, uma «civilização literária», mas a sua civilização estava num período do uso mágico dos signos, que assinalavam «runicamente» os lugares, as práticas mágicas e até (muitos autores defendem que) uma transmissão da sabedoria druídica por via não estritamente oral, porém signo/simbólica, que envolvia as «pedras mágicas» (as com sinais gravados nelas).

O próprio entrelac é uma escrita.

Iolanda Aldrei disse...

O tema do celtismo é muito debatido na Galiza, mais ainda desde que os intelectuais da "Cova Céltica" (em certa medida motivados por McPherson e o seu Ossian) acharam que lembrar essa raiz poderia ser uma reivindicaçao de "alma nacional". Pondal, fundamentalmente, mas também Murguia, Vicetto tornaram a Galiza prerromana um paraiso celta. Depois chegou a etapa da negaçao. Há argumentos para todos os gostos,mas os estudos mais sérios sao aqueles que colocam os interrogantes onde estes devem de ser colocados e nao afirmam a Galiza como uma cultura puramente celta nem negam a importância de um substrato celta entre aqueles que nos conformam como povo.
Mas no poema digo "a entranha caribe dos keltoi". A intençao é resaltar a mestiça como proposta cultural, até o ponto de confundir culturas de um jeito anacrónico e atópico, reivindicar a mae comum de todos nós, este ser de nómadas conformados por mitos, vivências, geografias, sutaques... Desde a Guatavita chibcha, até a Anatólia, terra de fadas, orientes e confluências, dede o alalá dos galegos à dança das troianas vencidas, com suor de Potosí, com o drama atemporal, e contemporáneo dos sem-papeis e o direito de todas, de todos nós a viver a terra, como dizia Rosalia de Castro "ánimo, companheiros, toda a terra é dos homens". Os vistos sao os muros da vergonha da injustiça. Os keltoi um povo mais dos que estao em nós.
Um abraço

Lord of Erewhon disse...

«Keltoi» é um termo grego que apenas quer dizer «os outros»... Se o «bárbaro» é o que não fala o grego e o «helenos» o não grego que o fala; suponho que para os Gregos «os outros» estaria ao nível de «infra-humanos».

«Celta» pouco quer dizer; é um termo tão genérico que se fica sem saber etnia e raça. Os «celtas» foram muitos povos. Os primeiros Gregos a aventurarem-se no mediterrâneo também foram um ramo dos «celtas» e até os Filisteus biblícos foram «celtas».

Falando dos Celtas que hoje conhecemos, e que são os sobreviventes e a mistura dos Celtas antigos, têm alguns traços rácicos comuns, um deles é a ocorrência de um tipo: um número expressivo de pessoas com cabelos avermelhados, pele branca e sardas.
Como sabemos este tipo rácico é muito raro entre os Ibéricos contemporâneos... E poderia dar-te muitos outros exemplos.

Mas o mais grave é que a mania do celtismo demonstra um complexo de inferioridade. A nós bastaria orgulharmo-nos de ser Iberos: não foram menos importantes que os Celtas e são, sim, o fundo genético de quem vive nas Ilhas Britânicas e Normandia; os Iberos foram a primeira grande migração humana de registo histórico, muito antes dos Celtas.

O que os intelectuais, poetas e patriotas galegos da «Cova Céltica», em termos políticos e culturais, fizeram pela Galiza não tem preço; mas temos que considerar que a hiperbolização do celtismo foi um ingrediente crucial para que os Galegos se sentissem diferentes dos Castelhanos - mas a verdade é que todos os povos da península são geneticamente homogéneos.

Além de que o factor político (para lá das raízes comuns nos antigos Calaicos, em parte dos Galegos e parte dos Portugueses; pequeníssima parte, diga-se, de Coimbra para baixo Portugal nada já tem de comum à Galiza) mais importante na proximidade dos nossos povos nada tem que ver com Celtas, mas sim com a presença dos Suevos: estes, sim, a raiz da «diferença política» entre nós outros Galaico-portugueses e os demais ibéricos.

Beijinhos.
P. S. Sempre que ouvires outro Ibérico defender o celtismo... foge: a seguir vair sair nacionalismo idiota, delirante e tirânico.
P. P. S. Da Anatólia somos (ou por lá passámos) todos: nenhum povo histórico europeu é originário da Europa; descendemos todos de bravos nómadas euro-asiáticos, hábeis na guerra e no saque... ;)

Iolanda Aldrei disse...

E antes da África chegamos...
Um abraço