12 de janeiro de 2008

ESPERANÇA DE MAR


I
Navegamos as distâncias
numa nave mágica


Ancorávamos as maos

ao leme dalgum verso,

mergulhados no mar

das palavras perdidas,

apanhados na rede

de um pescador velho.


O infinito tornou-se

tecedor geográfico

e deu-nos uma noite

a pena azul do vento

para escrever o nome

dessa ilha fantástica

perdida na memória,

semeada no tempo.


Navegamos os mares

das anemonas murchas,

os recifes antigos

dalgum crutáceo ascético.


Nas margens já da rede,

a Atlântida infinita

entregou-nos o brilho

anfíbio

do desejo.



II


Oceano infinito,

descosias as redes

porquê o mar é mais longo

que uma caixa de tempo,

porquê as palavras têm

os ritmos curvilíneos

e navegam em círculos

sem rotas de regresso.


Inter-nos a alvorada

deixou já um caminho

e uma malha solta

tornou-nos fugitivos.

Nadamos para a terra

dos sonhos e as carícias

onde tecem seus ninhos

as gaivotas eternas.



III

Vivemos em águas novas

recriados os mundos.

Nadamos em tempos longos

de rotas aquosas;

entre inocentes peixes, corais e algas velhas,

habitamos os mares

desde o eco dos nomes.


Perdidos e prendidos,

mergulhados no espaço,

deitamos a semente para um jardim de anémonas

e, longe das correntes,

criamos novo ninho,

caracola de vida,

essência de horizontes.


IV


Tempo de mar,

mar lento,

ritmo de esperança

e silêncio.


Tempo de amor

sem tempo,

com o infinito roto

nalgum verso.




V


Desteço lentamente

o tempo leve,

esmiuço em areias

todo um mundo

esperando a presença

da tua nave

na pátria de saudades

que eu habito.


Aspiro o odor salgado,

escuto os chios

das gaivotas cinzentas

que regressam

e teço entao a ausência

com os astros

nesta minha teia

de silêncio.


VI

Desteço nas areias

o teu rosto

com os dedos tendidos

a algum sonho


Desenho o teu sorriso,

o teu aroma

com reflexos de lua

nesta aurora


Desenho o teu olhar

com as estrelas

enquanto a maré desce

desde a terra


Desenho as pegadas

dos teus passos

profundas e salobres

como os anos


Desenho-te em azul,

também em verde

na cor ainda da terra

que me vence


Desenho-te com dedos

de esperança

na cortiça suave

da minha alma


Desenho-te de mundo,

de palavras,

até que cria o mar

a sua marca

e torna lentamente

o meu trabalho

a lembrança dum sonho já passado.


VII


Sombra solitária

sempre acho,

solidária de nomes

e de versos


Esperança da terra na que medra

recortada no som

dalgum silêncio


Sombra da manha

que ainda sonha

arestas de ternura

entre a névoa


Inédita memória

de carícias,

flor de saudades

nesta ausência.


VIII


Aqui, na beira-mar

o tempo range,

retoma o seu ritmo sempiterno

em ciclos de ida e volta

como a vida,

devorando a areia

com seus beijos.


As rochas aparecem trabalhadas

por maos sem maos

de água

a ritmo lento.


No seu silêncio verde

o mundo entona

o seu canto de esferas

contra os ventos.


Engajadas as ondas

num caminho

acariciam a pele do universo

e tornam o horizonte

céu errante

num círculo de sonhos

sempre aberto.


Espelhados os olhos

na tua ausência,

a praia é um recanto

azul

do eterno,

um presente de vida

na lembrança

do futuro de sonhos

que contemplo.

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