
I
Navegamos as distâncias
numa nave mágica
Navegamos as distâncias
numa nave mágica
Ancorávamos as maos
ao leme dalgum verso,
mergulhados no mar
das palavras perdidas,
apanhados na rede
de um pescador velho.
O infinito tornou-se
tecedor geográfico
e deu-nos uma noite
a pena azul do vento
para escrever o nome
dessa ilha fantástica
perdida na memória,
semeada no tempo.
Navegamos os mares
das anemonas murchas,
os recifes antigos
dalgum crutáceo ascético.
Nas margens já da rede,
a Atlântida infinita
entregou-nos o brilho
anfíbio
do desejo.
II
Oceano infinito,
descosias as redes
porquê o mar é mais longo
que uma caixa de tempo,
porquê as palavras têm
os ritmos curvilíneos
e navegam em círculos
sem rotas de regresso.
Inter-nos a alvorada
deixou já um caminho
e uma malha solta
tornou-nos fugitivos.
Nadamos para a terra
dos sonhos e as carícias
onde tecem seus ninhos
as gaivotas eternas.
III
Vivemos em águas novas
recriados os mundos.
Nadamos em tempos longos
de rotas aquosas;
entre inocentes peixes, corais e algas velhas,
habitamos os mares
desde o eco dos nomes.
Perdidos e prendidos,
mergulhados no espaço,
deitamos a semente para um jardim de anémonas
e, longe das correntes,
criamos novo ninho,
caracola de vida,
essência de horizontes.
IV
Tempo de mar,
mar lento,
ritmo de esperança
e silêncio.
Tempo de amor
sem tempo,
com o infinito roto
nalgum verso.
V
Desteço lentamente
o tempo leve,
esmiuço em areias
todo um mundo
esperando a presença
da tua nave
na pátria de saudades
que eu habito.
Aspiro o odor salgado,
escuto os chios
das gaivotas cinzentas
que regressam
e teço entao a ausência
com os astros
nesta minha teia
de silêncio.
VI
Desteço nas areias
o teu rosto
com os dedos tendidos
a algum sonho
Desenho o teu sorriso,
o teu aroma
com reflexos de lua
nesta aurora
Desenho o teu olhar
com as estrelas
enquanto a maré desce
desde a terra
Desenho as pegadas
dos teus passos
profundas e salobres
como os anos
Desenho-te em azul,
também em verde
na cor ainda da terra
que me vence
Desenho-te com dedos
de esperança
na cortiça suave
da minha alma
Desenho-te de mundo,
de palavras,
até que cria o mar
a sua marca
e torna lentamente
o meu trabalho
a lembrança dum sonho já passado.
VII
Sombra solitária
sempre acho,
solidária de nomes
e de versos
Esperança da terra na que medra
recortada no som
dalgum silêncio
Sombra da manha
que ainda sonha
arestas de ternura
entre a névoa
Inédita memória
de carícias,
flor de saudades
nesta ausência.
VIII
Aqui, na beira-mar
o tempo range,
retoma o seu ritmo sempiterno
em ciclos de ida e volta
como a vida,
devorando a areia
com seus beijos.
As rochas aparecem trabalhadas
por maos sem maos
de água
a ritmo lento.
No seu silêncio verde
o mundo entona
o seu canto de esferas
contra os ventos.
Engajadas as ondas
num caminho
acariciam a pele do universo
e tornam o horizonte
céu errante
num círculo de sonhos
sempre aberto.
Espelhados os olhos
na tua ausência,
a praia é um recanto
azul
do eterno,
um presente de vida
na lembrança
do futuro de sonhos
que contemplo.
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