23 de fevereiro de 2015

Conversa com Rosalia de Castro























POEMA A LUIS DE CAMOES

Desde as fartas ribeiras do Mondego
Desde a Fonte das Lágrimas,
Que na bela Coimbra,
As rosas de cem folhas embalsamam,
Do Minho atravesando as águas mansas
Em misteriosas asas,
De Inês de Castro, a dona mais garrida,
E a mais doce e mais triste enamorada
Do grão Camões que imortal a fez
Cantando as suas desgraças,
De quando em quando a acarinhar-nos vêm
Eu não sei que saudades e lembranças.

Lá deu seu fruto a planta abençoada
Com seu igual pujança.
Daqui o germen saiu, sabe-o Lantanho
E a sua torre dos tempos afrontada.
Talvez por isso –ó desditosos- sempre
Convosco foi o germen da desgraça:
Tu, pobre dona Inês, mártir do amor
E tu Camões da inveja empeçonhada.
Pesam dos génios na existência dura
Tanto a fama e as glórias quanto as lágrimas.

A que cantaste em peregrinos versos,
Morreu baixo o poder de mãos tiranas.
Tu acabaste olvidado e na miséria
E hoje es glória da altiva Lusitânia,
Ó poeta imortal, em cujas veias
Nobre sangue galego fermentava!

Esta lembrança doce,
Envolta numa lágrima,
Manda-te desde a terra
Onde os teus foram nados
Uma alma dos teus versos namorada.

CASTRO, Rosalia de, Antologia Poética, Colecção Poesia e Verdade, 1885, Guimarães Editores, pág. 11-12  (de Almanach das señoras, 1985)


Havia suspeitas em cada cometa,
No pó cósmico das erofílias.
A matéria expandida retornava ao copo primitivo
E deslizava em vida
Até os cóncavos prazeres do teu leito.

Ai, minha línea de água
Na revolta das gravitações a beira mar,
Ai minha mátria fluida
Nas esperas das tardes de verão,
Ai, meu sentir de tempo
Na molécula pura do seio,
Nas hidronímias novas do teu nome,
Nos remoinhos velhos que aguardavam astros,
Nos abismos tácteis das ondas e o sentir...

Iolanda Aldrei


QUEM NÃO GEME?

Luz e progresso em toda a parte, mas
Dúvidas no coração,
E báguas que um não sabe por que correm,
E dores que um não sabe por que são.

Outro cantar dizem cansos
Deste estribilho os que chegando vão
Numa nova fornada, e que andam cegos
Buscando o que inda não há.

Réprobos!... Sempre o oculto interrogando,
Que, mudo, nada vos diz.
Buscai a fé, que se perdeu na dúvida,
E deixai-vos de vagir.

Mas eles também perdidos
Por uma e outra senda vão e vêm
Sem que saibam, coitados!,por onde andam,
Sem paz, sem rumo e sem fé.
................................................

Triste o cantar que cantamos!,
Mas que fazer se outro melhor não há?
Muita luz deslumbra os olhos,
Causa inquietude o muito desejar.
Quando uma peste arrebata
Homens trás homens, n’há mais
Que enterrar depresa os mortos,
Baixar a frente, esperar
Que passem as correntes apestadas....
Que passem!... que outras virão.

CASTRO de, Rosalia, Folhas Novas, Clássicos da Galiza, Academia Galega da Língua Portuguesa, Edições da Galiza, Adaptação e revisão Higínio Martins Esteves.




Esculpimos desertos e homens como bosques,
com tacto nos cabelos e lama nas entranhas,
simulamos os musgos em pregas junto ao sexo,
nascemos humidades de luz nos arvoredos
sem grade que remova a nossa fonte clara.

Entornamos, então, algum mundo para sermos
fictícias feiticeiras ao Sul de Samaná,
com pele de sereia e lábios ainda tenros,
com fruta nova à busca de tempo por sugar.

Sobre o asfalto alguém quer redimir as cavernas
nas noites embarcadas à chuva desde Harlem
e deixa, então,  ruínas feitas carne e fronteira
no Norte mais triste que nascera em Manhattan,
com corpo de moeda, biqueira a latejar.

Abrimos as janelas de areia e verbo claro,
rejeitamos embargos e criamos os prantos
de uma terra que vibra nas sombras por sonhar.

Iolanda Aldrei



TREME UM NENO NO PÓRTICO HÚMIDO...
Da fome e do frio
Tem o selo o seu rosto de anjinho,
Inda belo, mas murcho e sem brilho.

Farrapento e descalço, nas pedras
Os pobres pezinhos
Que as geadas do inverno lanharam,
Apousa indeciso,
Pois parês que lhos cortam cutelos
De aceirados fios.

Como cão sem palheiro nem dono,
Que todos desprezam,
Num curruncho se esconde, tremendo,
Da dura escaleira
E qual lírio se dobra ao secar-se
O inocente a dourada cabeça
Também dobra, esvaecido coa fome,
E descansa co rosto nas pedras.

E enquanto ele dorme,
Triste imagem da dor e a miséria,
Vão e vêm, a adorarem o Altíssimo!,
Fariseus, os magnates da terra,
Sem que ao ver do inocente a orfandade
Se acalme dos ricos
A sede avarenta.
O meu peito coa angústia se oprime.
Senhor! Deus do céu!,
Por que há almas tão negras e duras?
Por que há órfãos na terra, bom Deus?

Não em vão leva selos o livro
Dos grandes mistérios...
Passa a glória, o poder e a alegria...
Tudo passa na terra. Esperemos!

CASTRO de, Rosalia, Folhas Novas, Clássicos da Galiza, Academia Galega da Língua Portuguesa, Edições da Galiza, Adaptação e revisão Higínio Martins Esteves.


Entre a matéria escura eras halo de luz.
Desatavas silêncios  no hélio de um balão
por ascender, ingrávido,  à gravidez do mundo.
Foi na hora precisa do tempo inexistente,
quando  expandias corpo e inanimavas almas
em náufragos cárceres à deriva dos sonhos.

Sem ventre, semente.
Sem crónica, crónico,
e, sem palavra, voz.
Imprópria essa dor no beijo impreciso.
Menino prendido a num mundo perdido,
a latejar o medo insubmisso  e a lágrima
em longa solidão.

Em que parede pintas as histórias de arame?
Em que cinza ficou a cor de um golpe frio?
Que vento traz carícias até a caixinha azul?


Iolanda Aldrei



TECI  SOA A MINHA TEIA,

Semeei soa o meu nabal,
Soa vou por lenha ao monte,
Soa a vejo arder no lar.
Nem na fonte nem no prado,
Assim morra co raivar,
Ele não há vir-me a erguer,
Ele não me pousará.
Que tristeza! O vento soa,
Canta o grilo ao seu compass’...
Ferve o pote... mas, meu caldo,

Sozinha te hei de cear.
Cala, rula; os teus arrulos
Gana de morrer me dão;
Cala, grilo, que se cantas
Sinto negra solidão.
O meu hominho perdeu-se,
Ninguém sabe onde é que vai...
Andorinha que passaste
Com ele as ondas do mar,
Andorinha, voa, voa,
Vem e diz-me onde é que está.


CASTRO de, Rosalia, Folhas Novas, Clássicos da Galiza, Academia Galega da Língua Portuguesa, Edições da Galiza, Adaptação e revisão Higínio Martins Esteves.


Ninguém falara destas flores de luz,
nem dos tempos ainda de estrelas solitárias,
rude  marinheiro, amigo, meu Simbad.

E eu fiquei na casa onde amaras,
longe das naves e as marés,
a escutar poemas de pedrinhas
e apanhar carícias com a mão,
a lamber as crisálidas dos filhos
e renascer sem extensos passaportes,
vistos brancos das terras da Guiné,
a florescer no oco derradeiro,
no vazio da bomba junto à flor.


Iolanda Aldrei


AMIGOS VELHOS

Quando entre as naves tristes e frias
Do alto mural,
Qual elas fria,
Qual elas triste,
Ao ser da tarde vou rezar,
Que pensamentos loucos e estranhos
À minha mente vêm e vão!

Surdo silêncio que eu já conheço,
Que é meu amigo de anos atrás,
Mas que está cheio doutras lembranças,
Mas onde o espír’to parês que escuta
Eco mortal,
Reina nos âmbitos da grã basílica
Com misteriosa e serena paz.

Incertas sombras, raios tramentes
Cabo do altar,
Pousam, vagueiam, fogem e agrandam
De adiante atrás.
E o Santo Apóstolo, sempre sentado
No seu sitial
De prata e ouro, contempla imóvel
Com olhos fixos quanto ali há.

Quem fora pedra, quem fora santo
Dos que ali há;
Como São Pedro, nas mão as chaves;
Co dedo em alto como São João,
Umas trás outras as gerações
Vira passar,
Sem medo à vida, que dá tormentos;
Sem medo à morte que espanto dá.

Logo se acaba da vida o triste
Peregrinar.
Os homens passam tal como passa
Nuvem de v’rão.
E as pedras quedam... quando eu morrer,
Tu, catedral,
Tu, parda mole, pesada e triste,
Quando eu não for, tu inda serás!

CASTRO de, Rosalia, Folhas Novas, Clássicos da Galiza, Academia Galega da Língua Portuguesa, Edições da Galiza, Adaptação e revisão Higínio Martins Esteves.


Anjos de lascívia e mistério,
De amor e ódio,
Mas de eterno,
Descem da chuva em Compostela,
Ao Ocidente de Berlim, Sul do silêncio,
Sobre o tempo velho da velha catedral
Onde se aprendia magia natural
E prendiam borboletas
No solo da terra de Mateu,
O contador de histórias,
E voava a cor desde a sanfona,
Com beijos de pedra no sabor.

Descem almas das escadas
E partem os corações
Sem repartir novas asas
Para quem nunca sonhou
Sobre o tempo das palavras.

E os mistérios tornam tarde entre mistérios,
Lume novo na Páscoa de Belém,
E transgrido as fronteiras da minha pátria,
Os jardins de Sodoma e Jericó,
As trompetas que ecoam nesta beira.

Tirei a couraça e tenho ocos
No cantinho das asas que deixei
E desfilo o tapete, enquanto danço
No tapete vermelho solidão.


Iolanda Aldrei


POR QUÊ
Escuta!, os aguazis
Andam correndo a aldeia;
Mas, como pagar? Como?, se um não pode
Inda pagar a renda.

Embargaram-nos tudo, que não têm
Essas gentes consciência, não tëm alma.
Quedaremos por portas
Meus filhos das entranhas!

Que má morte vos mate
Antes que aqui entredes!...
Dos pobres, ao sentir-vos,
Os corações qual batem tristamente!

- Maria, se não fora
Porque há Deus que premia e que castiga,
Eu matara esses homens
Como mata um raposo uma galinha.

- Silêncio! Não blasfemes,
Que este é vale de lágrimas!...
Mas, por que a alguns lhes toca sofrer tanto
E outros a vida entre contentos passam?
CASTRO de, Rosalia, Folhas Novas, Clássicos da Galiza, Academia Galega da Língua Portuguesa, Edições da Galiza, Adaptação e revisão Higínio Martins Esteves.


Entre linhas escrevem
Os faróis do tempo
E a vida torna-se pausa
Antes da devastação
À procura nos ventos
De uma história;
A meia luz e meia sombra,
Deixa os sonhos aboiar
No bairro longo,
E nos perde quase sem ribeira
Para tingir os espelhos
E as idades da cor rota
Em casa de todos e ninguém.

Perdida no baú uma esperança
Polas naves que chegam sem chegar,
Saio à rua em Gaza, em Cabul,
Em Bagdad, em Nagasaki,
No alto Tibete, no braço dos talibãs,
Em casa,
Entre os cornos de África
E as fronteiras infelizes,
Sem princípios de excepcionalidade,
Sobre a terra tenra
E bela, e muda, e triste.

E sou vidente por ver e por ser vista
e queimo lindos papeis de aval bancário
na fogueira da noite, entre as estórias,
por sentir o borralho com a aurora
e cultivar cana e beijos vários
no horto do farol do meio mar.


Iolanda Aldrei

6 de maio de 2011

Tempo de mar


Água vegetal
prendida em sonhos,
sentir de Maio limpo
a navegar.
Sobre a areia,
uma poça.
Sobre a vida,
oceanos novos
por sulcar.

Chegam saudades
de revolta,
vozes de terra
por cantar,
braços no sonho
e alvoradas
de praia bravia
por pisar.

Um banquete de povo
tem palavra
nos olhares puros
junto ao lar.


14 de agosto de 2010

Tecedeira

Descem os caminhos versos tenros
e volteam silêncios na palavra,
para que o eco sempre seja eco
e a distância não tenha distância,
nem sonhos reiterem sobre a palma
entranha ao ar e areia em leito.

13 de agosto de 2010

Luz

No tempo vertical,
a inexistência da sem-revolta
achega aos corpos esferas de ternura
e as Perseidas beijam espíritos de luz.
Nas florestas apreendem
os códices vegetais
ruturas leves
e passos para o sonho
das formigas azuis
na terra noite
do último recanto antes do mar.

12 de agosto de 2010

Harmonias de luz


Em tarefa de amor canto silêncios,
retorno ervas, terra pura
cor calcárea,
laberíntica presença
desde sonhos infinitos,
quartos espirituais e mitos,
longas tardes de mar
e seiva ao vento.

12 de junho de 2010

Na terra do milho

Era mansa às vezes. Só às vezes.

Queria, na tua pele, estremecer os sonhos

e depois caminhar sonámbula,

sem esperança sempre,

a dançar nos silêncios que me deixem,

pairar nas sozinhas primaveras,

em tempos impossíveis como a árvore,

a deixar raízes na sem-língua

e navegar em cada boca

enquanto canto

o sabor cereal da tua espera.

16 de abril de 2010

Se calhar era bom chorar,
pensar se há ou nao fronteiras,
olhar no tempo onda,
dor aberta,
reiterar leitos sem passado
e futuros sem leito,
quase amar,
quase ceibar raiba
e caminhar noites laberínticas
sobre os tacos mais altos que já achei
no teu papel de actor sem um cenário,
no teu papel de autor sem quarto ao Sul,
sem para-sol,
em telefonemas de puro baobab,
em revoltos correios por fechar,
despintadas as roupas a este vento.
Volto com o ritmo dos silêncios,
ao bravo metal da tua voz.

15 de abril de 2010

Os desejos sao casas de nao ser,
sonhos nao sonhados,
des-esforços,
ternuras de fe des-necessárias
na voz de um sorriso em pele e lua.
Entao moro o tempo de existir,
passos e olhares, vento ao vento,
e o prazer de um universo
por ter verso,
e o prazer oral do tempo
por ter verbo
e língua e amor e um sem-silêncio
... ser.

11 de abril de 2010

Rua do Tempo ao Sol

Duvido entre a pegada e o infinito,
na algibeira quadernos a escrever,
e uma volta a dias de silêncio,
nos cantinhos, palavras sem dizer,
e música na rua,
e som no tempo,
e sonhos neste quarto
e Abril ao sol,
no brilho da erva
os meus segredos,
nas noites o teu leito sem odor.

13 de março de 2010

Perder-se na gaiola

longe de egos

e aguardar que o tempo abra

as portas para viver...

até...